No século XIX a cidade de Salvador possuía uma divisão administrativa formada por freguesias. A palavra freguesia possui dois significados para o contexto do local no séc. XIX, um sentido literal, que se refere ao conjunto de paróquias, que do ponto de vista eclesiástico, formam uma clientela ou freguesia. Outra que significou uma delimitação, divisão administrativa e religiosa da cidade, onde estão localizados os habitantes que são ligados a uma igreja Matriz.
Além das atividades religiosas, a Igreja Matriz, centro da freguesia, era responsável por diversas funções políticas, uma vez que era na sede da freguesia que aconteciam as comissões e reuniões a fim de compor ou rever as listas de qualificação eleitoral, e econômicas, isto é, registrar em livros as terras e todos os bens imóveis da freguesia.
O Cabula estava localizado na freguesia de Santo Antônio Além do Carmo, que fazia parte das dez freguesias consideradas urbanizadas da cidade do Salvador. Devido a sua grande extensão, encontrava-se dividida em dois distritos, no qual, o primeiro contava com uma sociedade de classe média que estava ligada às atividades urbanas. Já o segundo, tinha maior número de negros libertos e de trabalhadores que estavam interligados ao plantio e as roças, ficando esse distrito distanciado da área urbanizada da cidade.
A localidade do Cabula pertenceu ao segundo distrito da freguesia, sendo denominada parte periférica ou ruralizada. Tal área representou um espaço de resistência negra, pois a maioria da população formava arraiais com habitações de negros e quilombolas, sendo essa ocupação consequência do processo de segregação socioespacial que a cidade do Salvador passava no período.
As terras do Cabula, assim como outras terras da cidade do Salvador, pertenciam a VII Marquesa de Niza. O Cabula teria sido administrado pela casa de Niza à distância, sob a proteção do Capitão Thomaz da Silva Paranhos que, posteriormente, comprou as terras. As mudanças na localidade passam a ocorrer a partir da aquisição das terras por esse coronel, que após 1839 inicia a compartimentação das terras por meio de vendas e foreiros.
De acordo com os estudos realizados, a maioria das terras do Cabula aparecem no registro de terras como foreiras ao coronel Thomaz da Silva Paranhos. O foreiro tinha que pagar certa quantia anual ao verdadeiro dono das terras. Sendo assim, Paranhos vendeu as terras, mas continuou a receber uma quantia anual.
A maioria dos moradores nesse período eram pessoas de classe média que declararam ter terras em outras freguesias, sendo que a maioria era da freguesia do Passo, outra localidade próxima a região, porém dentro do perímetro urbano da cidade. Muitos dos primeiros proprietários de terras do Cabula eram militares e até major. Essa constatação nos leva a conjecturar que essa distribuição pode ter relação com o fato da localidade ter representado uma área de resistência negra, pois era interessante para os proprietários de terras, e mesmo para as autoridades, que as terras devolutas fossem ocupadas, melhor se seus novos habitantes fossem militares. Esses militares podem ter adquirido as terras pela acessibilidade do valor estabelecido e, no ensejo, contribuiu para amenizar o processo de resistência dos antigos moradores. Este fato tem vinculação com a contemporaneidade, pois existe atualmente na localidade do Cabula o comando do 19º Batalhão de Caçadores e esse aquartelamento é histórico.
Além de alguns militares, é possível que negros libertos, que antes viviam em ocupação ilegal das terras, possam ter regularizado a situação por meio da compra. Documentos indicam que alguns compradores das terras de Thomáz da Silva Paranhos eram negros. Tratam-se de informações históricas que ainda estão em processo de investigação, mas que já fornecem indícios para o perfil dos primeiros moradores após loteamento das terras.
Rodrigo de Souza Sena
Luciana Conceição de Almeida Martins
Referência:
APEB, Registro eclesiástico de terras da Freguesia de Santo Antônio Além do Carmo. Governo da Província. Série: agricultura. v. 4797, ano 1857/1863.
MARTINS, Luciana Conceição de Almeida. História Publica do Quilombo Cabula: Representações de resistência em museu virtual 3D aplicada a mobilização do turismo de base comunitária. Tese (doutorado – FACED, Universidade Federal da Bahia). 2017.