O Quilombo Cabula foi construído como parte de um contexto mais abrangente: Salvador. De fato, consideramos que todos os bairros e as regiões de Salvador, mesmo as cidades e localidades do Recôncavo, e certamente regiões mais distantes, parecem-nos ter sua ocupação e formação humana dinamizadas pela cidade de Salvador e seu crescimento. 
O primeiro passo para compreensão no presente, do antigo Quilombo Cabula passa por compreender que herança foi ali construída. A cidade de Salvador cresceu, desde o mais tenro início, de fato pensamos mesmo antes de ser fundada, com uma importância cosmopolita. Segundo interpretamos, existem três principais fatores para esta importância (MATTA, 2013). 
Em primeiro lugar, devemos destacar a localização privilegiada da cidade e a situação de grande porto. A navegação à vela, única forma de desenvolvimento do emergente movimento comercial, desde o século XIV, até o século XIX, fazia com que o regime de ventos e as correntes marinhas do Atlântico Sul fizessem convergir para Salvador, mais do que qualquer outra cidade brasileira, a navegação atlântica. Salvador se tornou, desde muito cedo, o centro da navegação, parada praticamente obrigatória da maioria dos navios que desejava passar pelo Atlântico Sul, para qualquer parte do mundo. 
Um segundo fator, pensamos que seja decorrente do primeiro, Salvador se tornou capital da colônia. Ao tornar-se capital, sede de governo e vasta força militar, de aparato burocrático, a cidade fortaleceu ainda mais sua capacidade de influenciar seu entorno, somando à força local de um porto internacional e interoceânico, a capacidade de gestão e governança de toda a colônia, certamente do Recôncavo e do entorno da capital. 
Finalmente, na medida de sua importância internacional e de governo local, a cidade foi atraindo populações de migrantes, colonos voluntários, ou degredados, ou outros trazidos pelo horror e crueldade do escravismo. Reunia também as desestruturadas populações locais indígenas, que aos poucos perdiam suas formas ancestrais de reprodução da existência, e viam na nova cidade uma chance de prosseguir suas vidas. A cidade cresceu rapidamente, e sua dimensão avantajada para a época, representava outro fator de convergência das populações e da vida do entorno, incluindo aí o desenvolvimento dos futuros bairros da cidade, como o Cabula. 
Essa importância da cidade, destacando para o nosso caso, a sua influência na organização do entorno, que estava ligada de forma fundamental ao fato de ser porto e capital da colônia, estando irremediavelmente ligada a ser um centro do tráfico de escravos, um local de articulação dos negociantes da diáspora e, certamente, um dos principais destinos do terrível tráfico humano daquele tempo. 
A cidade era centro de colonização, de expropriação, de reestruturação da propriedade e uso dos recursos, e tudo isto realizado pela brutalidade da organização do trabalho escravo, base da conquista e construção da cidade. Considerando esse contexto geral de Salvador e de seu Recôncavo naqueles tempos, como teria se dado a integração do Cabula? Os colonizadores portugueses, os proprietários de terras destinadas à produção, ocuparam logo as terras que tinham fácil acesso ao porto e à todas as suas ligações (TAVARES, 2001). 
Também acesso fácil para a utilização econômica, era de mais fácil defesa e policiamento. O interior da península na qual se encontra Salvador era de difícil acesso, entrecortado de vales lodosos, matas frondosas, morros e colinas que não seriam de fácil cultivo e produção. O Cabula e seu entorno ficaram relativamente pouco ocupados por muito tempo, séculos, exceto por ser uma região onde se tomava caminho para a Casa da Torre e o litoral norte da Bahia, como mostra a Figura 1, acima. Nas baixadas, base dos morros do Cabula, esgueirava-se a estrada das boiadas, que seguia da capital para o interior (TEIXEIRA, 1998). 
Era, portanto, uma região pouco povoada, por onde trafegava quem viajava de Salvador para Itapuã, para a Boca do Rio, para Santo Amaro de Ipitanga, ou para a Casa da Torre e outros do século XIX sugerem até mesmo que os traçados das antigas estradas ainda são os mesmos que temos nas principais ruas atuais do bairro: a Estrada das Barreiras, a Rua Thomás Gonzaga. Além disto, os primeiros arraiais que surgiram no Cabula estão relacionados com a segregação sócio espacial da cidade. Os senhores, os proprietários abastados ligados à colonização e ao comércio atlântico, preteriram aquela área de difícil acesso. Foram pessoas oriundas dos povos subjugados, primeiro os índios, depois negros, muitos libertos, provavelmente africanos, que construíram no local uma vivência autônoma e alternativa, daquela que surgiu ao redor do porto e da colonização formal (NASCIMENTO, 1989). 
Era, desde o início, uma vivência marcada pela resistência ao modelo colonizador. Pensamos ser provável que, desde o início, houvesse ocupação indígena no que hoje chamamos Cabula. Paraíso (2004) afirma que, eram 5 aldeias entre o Cabula e Brotas. Mesmo sabendo que os governos gerais deram combate aos índios, pensamos ser aceitável que alguns indígenas e seus descendentes continuaram ocupando a região, o que os transformariam na base mais antiga de ocupação da região. Se a suposição da permanência de índios estiver correta, certamente eram eles grupos que resistiam à ordem dos colonizadores. Temos também a informação que ainda em 1822, na época das lutas pela Independência da Bahia, havia índios tupinambás consorciados com negros da região do Cabula, especialmente no Bate Folha, onde inclusive houve parte da batalha de Pirajá (MESQUITA, MATTA, 2016). 
Entendemos que o nome Cabula já é indício da ocupação que vingou na área. Há quem defenda ser do Quikongo, língua banto, sendo um ritmo religioso, o Kabula. Outros, que o Kimbula, acabou se transformando em Cabula: toque ritual para Obaluaê e Besseim, em Angola. Outros falam que se trata do nome de um ritual congo-angola (MARTINS, 2017). Os cultos bantos acabaram sendo adaptados para agregar os elementos de catolicismo, influência que vinha do centro de Salvador, e de elementos indígenas, ou de caboclo, que afinal já estavam na região antes dos africanos. A terminologia cabula sugere ter sido de origem Banto a maior parte destes primeiros habitantes dos arraiais do Cabula (MARTINS, 2017).

    • CAPES
    • CNPq
    • fapesb
    • UNEB
    • ITCP/UNEB
    • Portal TBC Cabula